2º Residência Formigueiro

A segunda edição da Residência Formigueiro, uma iniciativa do Festival Kino Beat, dá continuidade ao seu formato de pesquisa e criação artística, que se estabelece a partir das especificidades de Porto Alegre. O nome da residência mantém-se o mesmo, apesar da mudança de um dos seus pilares de estudo e relação. Antes, as formigas nomearam a residência e conduziram pela cidade os artistas e as suas produções na primeira edição. Agora, os insetos dão lugar ao Guaíba, como parceiro na investigação de histórias sobre a capital. Para além da celeuma do Guaíba enquanto rio ou lago, pensaremos nele como um corpo hídrico único (Guadagnin, 2024), que apresenta características dos dois ecossistemas e que muda com o tempo. Mesmo a taxonomia geográfica em disputa, não é capaz de abarcar toda a singularidade do Guaíba, Guahyba, gua-y-be, que por sua etimologia tupi, deveria nos chamar a atenção para outras funções e filiações, que as suas águas e seus habitantes, tem para outros humanos e suas distintas cosmologias.

O desafio de pensar o Guaíba, e a sua relação com a cidade em 2024, deve ir adiante de sua recente face trágica das enchentes de maio. Por óbvio, a dimensão dos fatos e as suas razões climáticas, exacerbadas pela ação de determinados grupos humanos, devem impactar a percepção sobre o que é viver às margens de um corpo hídrico poderoso. As águas invadem a cidade de uma cidade que invadiu as águas. Quantas histórias foram apagadas e escritas com esse vai-e-vem de décadas passadas, deste ano, e de um possível futuro, se a cota de alagamento resolver subir? Estaremos sempre à mercê de eventos climáticos extremos, potencializados por humanos e seus despreparos? Que outras histórias queremos ler e escrever sobre Porto Alegre e sua população, emaranhada com o Guaíba, e suas entidades, bichos, lodo, pedregulhos, ilhas, matéria orgânica, e lixo?

É a partir da arte, esse campo permeável que se contamina por tantos outros campos, disciplinas e áreas para criar histórias em linguagens e tintas múltiplas, que a residência formigueiro produzirá suas próprias narrativas sobre o habitar a cidade-guaíba. As mutações do clima desafiam-nos a repensar o espaço que as nossas sociedades têm atribuído à arte. A criatividade, o pensamento crítico, a troca, a transcendência, a relação com o outro e com a história, são valores intrínsecos à prática artística que já se provam de vital importância para o futuro dos humanos (Bourriaud, 2021). Essas características, podem ser um indicativo dos caminhos e respostas, em permanente construção, sobre o lugar da arte em uma época de acelerada transição ambiental, e sobre os quais a residência artística poderá especular. Embora não se possa evocar certezas, acreditamos que as práticas artísticas têm uma vocação particular para apontar caminhos mais críticos,
atentos e sensíveis aos desafios de se viver no tempo das catástrofes (Stengers, 2015).

A lei municipal portoalegrense no 7.767, de 17 de janeiro de 1996, institui o “Dia do Rio Guaíba” no último domingo do mês de novembro de cada ano; já a lei no 10.904, de 31 de maio de 2010, que institui o calendário de datas comemorativas, redefine a data como apenas “Dia do Guaíba”. As indefinições sobre a sua classificação afetaram até a nomeação da data, que aparentemente a cidade desconhece e não comemora. Uma das premissas da residência é festejar esse corpo hídrico, seja no último domingo de novembro ou durante quase todo esse mesmo mês, em que os artistas estarão em Residência para celebrar, como for possível, junto à cidade, suas histórias, e o rio, como prefiro chamar.

A programação completa da Residência, que inicia em 28 de outubro e se encerra em 28 de novembro com uma exposição coletiva, inclui ações formativas voltadas para os residentes e o público em geral. O Instituto Remanso será o porto seguro para os artistas e atividades complementares durante o mês de atividades. Os resultados das pesquisas e criações serão exibidos na Galeria Augusto Meyer do Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul, na Casa de Cultura Mario Quintana.

Participantes:

Anelise De Carli

Beirada

Bruno Barreto

Camila Proto

Dirnei Prates

SHHE (Su Shaw)

Anelise De Carli

https://www.instagram.com/anelisedecarli/

Anelise De Carli é professora, pesquisadora, curadora e crítica de arte. Trabalha com cultura visual, filosofia da imagem, mudanças climáticas e teoria e prática decolonial. Doutora em Comunicação e Informação (UFRGS) e cofundadora da Associação de Pesquisas e Práticas em Humanidades (APPH), onde desenvolve o projeto “A Terra e nós” (CNPq). Atua como professora colaboradora do PPG Estudos Culturais da USP. Vive e trabalha em Porto Alegre.

Beirada

https://www.instagram.com/beirada.beirada/

O Beirada – acontecimento experimental de proposições simultâneas é um evento experimental organizado por Marcela Futuro e Tiago Gasperin que toma forma através de proposições para o público participante. Essas proposições são pensadas por diferentes artistas e acontecem simultaneamente durante o evento. Elas englobam coisas como instruções para serem executadas, objetos para interagir e modificações no ambiente, podendo ser visuais, sonoras, táteis, olfativas, digitais ou, até mesmo, puramente mentais.
Na 15ª edição do Festival Kino Beat o Beirada realizará, na Orla de Porto Alegre, uma ativação em ocasião do Dia do Guaiba, em que as proposições, executadas de forma a mobilizar a coletividade entre os que circulam naquele espaço, confluem em direção à relação do rio com a cidade e seus habitantes. 

Bruno Barreto

https://www.instagram.com/brunogbarreto/

Bruno Gularte Barreto é um diretor e artista visual brasileiro cuja obra transita entre o cinema, a fotografia e a videoarte passando pela instalação, teatro e escultura. Seus trabalhos exploram a intersecção entre o documental e o autoficcional, partindo de registros íntimos para buscar temas universais e questões sociais complexas. Suas áreas de interesse incluem a memória, a autoficção, o testemunho, o corpo e a ruína. Seus projetos têm sido exibidos e premiados em diversos festivais, mostras e salões no Brasil e no mundo. Bruno é doutorando em Artes Performativas e da Imagem em Movimento na Universidade de Lisboa e suas obras integram, entre outras, as coleções do MAM-RJ, MARGS-RS, MAC-RS e Coleção Joaquim Paiva.

Camila Proto

https://www.instagram.com/camilaproto/

Camila Proto (Porto Alegre, 1996) é artista e pesquisadora. Investiga modos de narrar o mundo através de escritas e escutas fabulativas de campo, que se materializam em instalações multimídias e interativas.

Doutoranda em Artes Visuais pela UFRJ, foi indicada ao 13º Prêmio Açorianos de Artes Plásticas (2020), na categoria “Artista em Início de Carreira”, e recebeu o 6º Prêmio Aliança Francesa de Arte Contemporânea (2023).

Dirnei Prates

https://www.instagram.com/dirneiprates/

Desde 2007, utiliza apropriações em seus trabalhos em vídeo e fotografia, procurando nestas imagens, absorvidas quase sempre do seu entorno imediato, alguns padrões que evidenciem suas contradições, suas possibilidades de subleituras e interpretações pessoais. Desde 2006, atua no coletivo “Cine Água” em parceria com o artista Nelton Pellenz. Participa do MAC Encontra os Artistas, promovido pelo grupo de estudos em crítica e curadoria do Departamento de Artes Plásticas da USP, recebe indicação ao Prêmio PIPA, e é um dos dez artistas destaque da Bolsa Iberê Camargo 2012. Em 2017. publica “olhos vermelhos” através da Editora Moinho Edições Limitadas. Foi um dos curadores do 14º Cine Esquema Novo – Arte Audivisual Brasileira e do Fresta – Mostra Audiovisual Experimetal. Entre as exposições recentes estão “A Fotografia na Coleção de Arte da Cidade / CCSP-SP, Trindade do Tempo – ou, um Torus / MARGS-RS e Haverá Consequências / Fundação Vera Chaves Barcellos. Participa das residências artísticas “ Casco” e “Torus Residência”. Vive e trabalha em Porto Alegre.

SHHE (Su Shaw)

https://www.instagram.com/shhemusic/

SHHE é uma artista sonora, musicista e produtora escocesa-portuguesa, baseada em Dundee, Escócia. Seu trabalho multidisciplinar explora temas de identidade e conexão na interseção entre som, espaço, ambiente e ecologia. Seus trabalhos sonoros, performances e instalações foram apresentados no V&A Dundee com co-comissão do MSCTY Tokyo, no Dundee Contemporary Arts, Edinburgh Festival, Celtic Connections, Summerhall, Cryptic Nights, Radiophrenia (Escócia), além de Portugal, Islândia, Egito e Curdistão Iraquiano. Seu álbum de estreia homônimo, ‘SHHE’, foi lançado pela One Little Independent Records e indicado para o prêmio de Álbum Escocês do Ano. Em 2024, o mini-álbum ‘DÝRA’ foi lançado com grande aclamação da crítica.

Oficinas para os residentes e abertas ao público

Grupo de Pesquisa em Ecologia das Práticas (GPEP)
Abertura:

29.10, 19h – desdobramento 1
03.11 – 14h – desdobramento 2
Local: Instituto Remanso
Rua Santo Antônio, 366 – Independência, Porto Alegre, RS

Dando continuidade à colaboração da Associação de Pesquisas e Práticas em Humanidades (APPH) e do Grupo de Pesquisa em Ecologia das Práticas (GPEP) com o Kino Beat, iniciada em 2021 na 7ª edição do festival, o GPEP propõe, para a 9ª edição do Kino Beat, a oficina “Sentir e pensar as ruínas: modos de ativação”.

Seguindo uma abordagem transdisciplinar que vai desde a filosofia, a arte, as ciências, a psicologia e as humanidades, na investigação e imaginação sobre as formas de coabitação entre humanos e não humanos no Antropoceno, a oficina se debruça sobre o desafio de pensar e sentir as perdas, os lutos e as alianças possíveis diante das atuais transformações climáticas.

A oficina será dividida em dois dias, e podem ser feitas separadamente. Vagas limitadas.

INSCRIÇÕES A PARTIR DE 14.10 ATRAVÉS DO LINK:

OFICINA #1 https://forms.gle/M23J5gYKXbWADGpb6 

OFICINA #2 https://forms.gle/5gSJoF1zwCGrVRNY9

SINOPSE DAS OFICINAS

1. CÍRCULO DE MEMÓRIA
29.10, das 18h às 21h
Local: Instituto Remanso às 18h (R. Santo Antônio, 366)

As participações serão divididas em grupos, onde as pessoas serão provocadas a pensar ou inventar palavras que descrevam os desafios de “viver nas ruínas”, a partir tanto das discussões abordadas previamente sobre habitar no Antropoceno, quanto de perguntas/problemas disparadores elaboradas pelas ministrantes. Depois, discutiremos sobre como se produz um círculo de cuidado, responsabilidade e atenção para a vida multiespécie em contextos de catástrofes.

2. CAMINHAR E COLETAR
03.11, das 14h às 17h
Local: Casa de Cultura Mario Quintana (Rua dos Andradas, 736 – Sala Lili Inventa o Mundo, 5º Andar)

Teremos uma saída de campo. Sairemos da Remanso e caminharemos pela região do seu entorno. O objetivo da caminhada é praticar a atenção que é ativada ao caminhar, a partir da coleta de vestígios de memória e modos de vida. Os grupos serão instigados a aplicar diferentes técnicas de coleta, como fotografias, vídeos, gravação de sons, desenhos, pegar objetos, escrita, etc. Os artistas que conduzirão a residência serão provocados a pensar nas coletas a partir das mídias e técnicas desenvolvidas no seu trabalho artístico. Ao final da caminhada, retornaremos à Remanso para reunir nossos materiais e impressões sobre as coletas.

Organizadores e Ministrantes

Luísa Muccillo

Luísa Muccillo é Cientista Social e mestranda em Antropologia Social (UnB). Pesquisadora
da APPH através do Grupo de Pesquisa em Ecologia das Práticas (GPEP), sua trajetória intelectual é marcada pela pesquisa nas relações entre humanos e animais, inteligências outras-que-humanas, conservação e reprodução de raças nativas brasileiras e controvérsias no consumo e produção de carne.

Ana Letícia Meira Schweig

Ana Letícia Meira Schweig é antropóloga, diretora de arte e produtora. Cientista Social e Mestre em Antropologia Social (PPGAS-UFRGS). Integra o Grupo de Pesquisa em Ecologia
das Práticas (GPEP-APPH). Atua com povos indígenas desde 2012 e é idealizadora e produtora no coletivo Tela Indígena. Atualmente trabalha como diretora de arte, ilustradora e
animadora. Interessada em estudos sobre povos indígenas, território, arte e educação.

Elisa Oberst Vargas

Elisa Oberst Vargas é psicóloga formada pela PUCRS, com Mestrado e Doutorado em Antropologia Social pela UFRGS. Nos estudos multiespécie, tem experiência em campos que envolvem epidemias, ciência e tecnologia, alimentação, estudos ambientais, Antropoceno, bem-estar animal em contexto de criação industrial e infraestruturas de gestão das águas. Atualmente é psicóloga clínica, com interesse na área de lutos não reconhecidos pela sociedade, como luto ambiental e luto por perda de animal de estimação. Atende famílias multiespécies, profissionais da medicina veterinária e da biologia.